Honestidade? Verdade? Superficialiade.

A verdade pode não ser honesta? A honestidade pode não ser verdadeira?

Descobri, por mim próprio, que sim. Apesar de (quase) sinónimos, a honestidade pode existir e não ser verdadeira, a verdade pode existir sem ser honesta.

Ser-se honesto sem se ser verdadeiro não só é uma possibilidade, como é um facto da vida. É, passe a redundância, uma verdade insofismável. Somos honestos sem revelar toda a verdade, porque a verdade é inconveniente. Talvez porque nos seja útil sermos honestos mas apenas com parte da verdade.

“Mas isso não é mentir?” – pensamento imediato de quem lê esta frase.

Precisamente. Ser honesto dizendo a verdade que nos convém é, de facto, mentir. Talvez o verbo seja demasiado forte… Mas é, certamente, faltar à verdade.

A tentação de tornar a verdade menos “contundente”, mais fácil de digerir, menos difícil de transmitir, leva-nos a cair na tentação de sermos menos honestos do devíamos – seja connosco ou com os outros. E, se a desonestidade com os outros é um péssimo princípio, diria que a desonestidade connosco mesmos é má a duplicar – é ser desonesto a duplicar. Porque implica que além de nos enganarmos a nós próprios, acabamos por enganar os outros, entrando num ciclo vicioso.

O que me leva à superficialidade.

Vivemos na era da facilidade – hoje em dia tudo é fácil. Desde ver vídeos de gatinhos queridos, a comprar aquela coisa que nos faz mesmo falta que nos vem parar à porta de casa no dia seguinte, passando por consumir teorias de conspiração que negam a existência de doenças fatais, terminando na superficialidade daquilo que se diz ou escreve “na internet” e na facilidade com que podemos ser desonestos ou pouco verdadeiros.

(Já agora, a fina ironia de estar a escrever estas palavras num blog “na internet” não me escapa.)

É fácil levarmos alguém a crer que aquilo se diz/escreve/professa de variadíssimas formas é, de facto, verdadeiro e honesto.

Quando se é, de facto, verdadeiro e honesto (e sobretudo ingénuo) pensamos que as verdades que dizemos são recíprocas. E, até certo ponto, talvez sejam. Mas só à superfície. Porque interessa levar alguém a acreditar que o que é dito é verdade. Interessa ter alguém do outro lado com vontade de ouvir o que temos para dizer – e, sobretudo, alguém que acredita que a nossa verdade, por muito parcial que seja, é honesta.

Hoje em dia tudo se faz para ter público – sobretudo gostos, comentários, muitas partilhas, muitos “guardar na colecção para ver mais tarde”. Muita atenção, muita carícia no ego. É errado? Sim, na minha opinião bastante – mais que não seja porque toda essa atenção e público são artificiais.

É um vislumbre daquilo que escolhemos partilhar das nossas vidas que, quer queiramos quer não, são cada vez menos privadas – por pouco que se partilhe, muito se pode inferir, 90% das vezes de forma errada. Mas existem sempre aqueles 10% que acertam na mouche.

É errado, sim. Substitui-se a vida real pela ilusão da vida real – criada nas redes sociais. Em que cada um parece ter uma vida espectacular, dependendo daquilo que se queira partilhar, quando na verdade se pode estar o mais longe possível disso.

Iludirmo-nos a nós próprios, com atenção artificial, é uma coisa.

Quando se usa a superficialidade, a verdade desonesta e a honestidade pouco verdadeira para tapar o sol de outros com a nossa peneira, creio que posso facilmente dizer que se bateu no fundo.

Usar sentimentos legítimos de alguém, confessados inúmeras vezes das mais variadas formas, como uma espécie de cenoura na ponta de um pau, que se vai agitando conforme se necessita de atenção ou afagamento do ego reais (porque o superficial e falso, por si só, já não chega) – é uma afronta. A tudo o que possamos significar para o outro, já para não dizer ao outro propriamente dito.

E quando se troca o sentimento verdadeiro, honesto, expresso do fundo do corpo, do coração e da alma por uma gratificação momentânea?

Quando existe alguém que sabemos que nunca foi falso, que só pode (talvez) ser acusado de ser verdadeiro demais. Que nos fez ver coisas acerca de nós e da nossa vida que, de outra forma, talvez nunca víssemos ou (mais essencial ainda) talvez nunca acreditássemos que estaríamos a viver… E escolhemos dar uma volta de 360º graus à nossa vida – enganamo-nos a nós próprios, passamos pela oportunidade (quem sabe) de uma vida, e voltamos à casa de partida!

É a ironia suprema. A verdade mais falseada, a honestidade mais desonesta, a superficialidade suprema.

Mas parece que isso está na moda. Ser verdadeiro e honesto, talvez, mas pouco e apenas quando e com quem nos convém. O superficial e o fácil são a norma.

O verdadeiro, o honeste, o profundo, o desafiante, o que pode até mudar a nossa vida – Será demasiado assustador, demasiado desafiador, demasiado difícil? Ou todas as anteriores?

O que a vida me ensinou é que parece que é todas as anteriores.

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